terça-feira, 31 de março de 2015

Os Primórdios do Museu: Da Elaboração Primordial à Instituição Pública (excerto), de Ana Cláudia Fonseca Brefe

O historiador de arte francês Germain Bazin em seu clássico Les Temps des Musées indicou duas noções de temporalidade: a do tempo que escoa irremediável e a do tempo que dura. Duas atitudes opostas caracterizam isso: a projeção do futuro e, concomitantemente, a volta ao passado. O que faz com que "o homem se console com aquilo que ele é por aquilo que ele foi". Essa referência ao tempo é fundamental para se entender o Museu e suas relações com a sociedade, sobretudo nos dias atuais. Hoje observa-se uma terceira atitude em relação ao tempo, um "presente estendido", que se problematiza a si mesmo.
Hoje o museu não se pretende mais conservador de acontecimentos e personagens relevantes e sim como um lugar de pesquisa e difusão do patrimônio universal (arqueológico, histórico, artístico, etnográfico, biológico, natural, material, imaterial). O Museu "encapsula" o espaço e, principalmente, o tempo, pela exposição. Analisando memórias, pois elas compõem fundamentalmente a vida social.
O francês Dominique Poulot, também historiador, aponta três abordagens sucessivas que marcaram o estudo da articulação Sociedade-Instituições Culturais, entre elas o Museu. Uma delas, que Bazin defende, reza que as coleções públicas correspondem ao caráter das estruturas sociais que lhe deram origem. O progresso da instituição vem da evolução natural das sociedades. Outra perspectiva vê as instituições como instrumento de conflito de interesses, de classes, como um meio de manipulação para perpetuar um determinado modo de dominação. Essa é a perspectiva aberta pela Escola de Frankfurt. Já a Escola de Chicago abre uma terceira análise, que vê o Museu como um repertório de imagens acabadas que interagem com o público por trocas e interpretações diversas. Ocorre uma hermenêutica diacrônica (interpretação de sentido de palavras, leis, textos por sua evolução no tempo).
O Museu elabora, expõe, comunica e interpreta a cultura material. O estudo dos diferentes períodos pelos quais o Museu passou, que podem ser chamados de "Sistemas Museais", deve levar em conta uma análise política, ideológica e estrutural e, sobretudo, uma reflexão sobre as coleções e suas redes sociais. Poulot aborda as coleções confrontando duas análises: a formalista, que define a coleção teoricamente e consiste em aplicar fórmulas contemporâneas às sociedades passadas, como expertise, mercado, efeito de raridade. Já a análise substantiva rejeita isso, tomando o objeto como um dado objetivo universal. Para o historiador, essas análises "isolam" o fenômeno da coleção do tecido social onde ele se acha dissimulado ou pouco reconhecível.
A partir do Séc. XVII, aparece a ideia de Museu como espaço de exposição pública que reúne, dá visibilidade e permite acesso direto às obras, diferente da apreciação da biografia dos artistas em primeiro plano, como era habitual desde o Renascimento. Uma corrente de pensadores nos Sécs. XVII-XVIII atentou para a necessidade da abertura das coleções reais na França, como Diderot, que queria fazer do Museu do Louvre um espaço para essas exposições. Rapidamente as discussões passam da abertura, aquisição e encomenda de obras para problemas museográficos, como espaço de exposição, iluminação e segurança dos objetos expostos.
Os Museus originam-se diretamente dos Gabinetes de Curiosidades, prática que era moda entre camadas superiores da população européia entre os Sécs. XVI e XVIII. A Pintura e a Escultura eram as artes preferidas desses embriões de coleção museológica. Mas é a partir das coleções de história natural que inicia-se um movimento de classificação e ordenação de objetos, tentando compor uma ordem racional do mundo.

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