quinta-feira, 26 de março de 2015

História Antiga e o Antiquário, de Arnaldo Momigliano

No século XII, um novo humanismo surgia organizado em Sociedades Eruditas, em vez de centrar-se nas Universidades. Os nobres o promoviam, preferindo viajar a corrigir citações. Consideravam textos literários menos importantes que vasos, moedas e inscrições. Tinham a Itália como ponto de referência, com as antiguidades etruscas tão valorizadas quanto às ruínas romanas. Seria esta a imagem da Era dos Antiquários, como uma revolução do método histórico. Esse método funda-se na distinção entre autoridades originais (testemunhas oculares ou documentos contemporâneos dos eventos que atestam) e derivadas (historiadores e cronistas que relatam e discutem eventos que não testemunharam, mas ouviram falar ou inferiram das autoridades originais). Os Antiquários tiveram grande papel nesse novo método, mostrando como utilizar evidências não literárias e refletir sobre a dificuldade de coletar e interpretar fatos.
Antiquários estudam o passado sem serem historiadores, Historiadores escrevem cronologicamente, enquanto antiquários o fazem sistematicamente. Historiadores produzem fatos para ilustrar ou explicar determinada situação, enquanto antiquários coletam todos os itens relacionados a certo tema, ajudando eles ou não a resolver seu problema. Assuntos como política, religião e vida privada, são tradicionalmente considerados mais apropriados à descrição sistemática. Na Grécia do séc. V a.C., esses assuntos eram tratados como Arqueologia, assuntos esses que hoje consideramos de interesses Antiquário.
Importante notar que, no fim do séc. V a.C., a história política e a pesquisa erudita do passado tendiam a ser mantidas em compartimentos separados, fato que perdurou até o séc. XIX, e ainda hoje não desapareceu completamente.
Na Grécia helênica, a arqueologia perde o sentido amplo visto acima, passando a significar a história das origens ou a história arcaica, sendo essa tendência seguida pelos romanos. Na Idade Média, o interesse pelas inscrições e vestígios arqueológicos não se perdeu. Mas a ação do antiquário como amante, colecionador e estudante de tradições antigas e seus vestígios - não historiador - volta com força nos sécs. XV e XVI. Nos sécs. XVI e XVII antiquários passam a ser vistos por muitos autores como historiadores imperfeitos que recuperavam relíquias tão fragmentadamente que essas não podiam ser chamadas de história. Isso se aplicava à historia de Grécia e Roma, ao mundo clássico. Antiquários eram aceitos nos estudos referentes ao mundo não clássico.
Isso na segunda metade do séc. XVII começa a desaparecer. Vestígios arqueológicos, seleção do que é confiável em fontes antigas e interpretação moral e política de evidências antigas passam a ser utilizadas. Os antiquários tornaram aparente a necessidade de novas histórias ao coletarem suas evidências fora das fontes literárias.
Controvérsia: o séc. XVII trouxe disputas religiosas e políticas que invadiram a história, desacreditando o historiador. Catedráticos e até estudiosos de outras áreas julgavam documentos e evidências como diplomas, moedas mais confiáveis que fontes literárias. Já os historiadores valiam-se da "boa-fé" para análise dessas fontes.
Os pirronistas (filosofia que tem como premissa duvidar de tudo) não tardaram a questionar até as evidências arqueológicas. Punham em dúvida a interpretação das mesmas, influenciadas por filosofias e posicionamentos diversos. Mas estes falharam em causar essa impressão em muitos eruditos. É importante aqui salientar que interpretações de vasos, estátuas, relevos e pedras são muito mais imprecisos, sujeitos à crença, filosofia dos autores do que a análise de moedas, epigrafias etc.
No séc. XVIII, historiadores "filosóficos", como Voltaire e Montesquieu, abordavam a história sob a óptica da noção de utilização, e a história política subordinou-se a ela. Temas caros ao antiquário, como religião, costumes e comércio, tornaram-se assuntos dos historiadores filosóficos, esses sem darem tanta importância à discussão sobre fontes.
No séc. XIX a combinação de história filosófica e método de pesquisa antiquário tornou-se o objetivo dos melhores historiadores - e ainda hoje isso é buscado. Para isso, implica-se suprimir constantemente o impulso de julgar a priori, que é intrínseco à abordagem generalizante do historiador filosófico, bem como evitar o apreço pela classificação e pelos detalhes às vezes irrelevantes do antiquário.

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