quarta-feira, 27 de maio de 2015

O que é o profissional Museólogo?

Para responder essa pergunta é necessário atentarmos para três documentos-base, que formatam a profissão no Brasil: o primeiro é a Lei n° 7287, de Dezembro de 1984 (desde então, essa data é o Dia do Museólogo), que dispõe sobre a regulamentação da profissão. Essa lei reza que a profissão é de exercício privativo de diplomados, tanto em bacharelado quanto em licenciatura plena em Museologia, bem como a mestres e doutores nesse curso. Diplomados em escolas estrangeiras, desde que seu titulo seja revalidado no Brasil, também podem exercer a profissão. E só com a filiação ao Conselho Regional de Museologia (COREM) o diplomado torna-se de fato Museólogo.
Diversas atribuições do profissional Museólogo aparecem no texto da lei, tais como:  ensinar Museologia em todos os graus e níveis; planejar, organizar e administrar museus; solicitar tombamento de bens culturais; coletar, conservar, preservar e divulgar acervos museológicos; prestar consultoria na área, entre outras.
A lei também regula os COREMs por meio do Conselho Federal de Museologia (COFEM), formado por seis delegados, um de cada Conselho Regional, e o mesmo numero de suplentes.
Já regulamentada a Profissão no Brasil, o Museólogo atua orientado pelo Código de Ética para Museus do ICOM (Conselho Internacional de Museus). Esse código destaca o papel dos museus perante a sociedade. Este prega que os museus devem:  preservar, interpretar e promover o patrimônio cultural e natural da humanidade; manter acervos em beneficio da sociedade e seu desenvolvimento, conservar referências  primárias para construir e aprofundar o conhecimento; criar condições para o conhecimento, compreensão e promoção do patrimônio natural e cultural; funcionar dentro da legalidade, entre outros destaques. Esse código também dita a conduta do profissional dos museus, que deve estar familiarizado com a legislação internacional, seguir as politicas de seu empregador, ser leal aos colegas, manter em sigilo informações confidenciais obtidas no seu trabalho, entre outras. Também regula conflitos de interesse, como não competir, como um colecionador particular, com a instituição a qual está vinculado para adquirir objetos.
Já o Código de Ética Profissional do Museólogo, do COFEM aprofunda as competências do profissional expressas no código do ICOM.
O Museólogo deve atentar para algumas imagens do profissional e alguns perigos inerentes à profissão, segundo indica o Museólogo e professor da UniRio, Mario Chagas: o profissional deve evitar a egolatria, em que se coloca acima de todos os outros na instituição; não deve ser primeiro-mundista, que só considera relevante a produção estrangeira; tampouco tupiniquim-xenófobo, o contrário da imagem anterior. Ele não deve ser um colecionador, excessivamente “apegado” ao patrimônio cultural, como se fosse seu, entre outras recomendações.
Chagas também aponta para os perigos que o profissional pode enfrentar: não colocar o objeto acima de tudo, em detrimento do homem; a mentalidade colecionista, confundindo “disciplinas técnicas” (como filatelia, armaria, etc.) com a abrangência da Museologia. Deve o profissional também atentar para a obsolescência das informações, por todas as mudanças ocorridas no campo nas últimas duas décadas. E é muito importante evitar o enfoque autoritário, que castra a criatividade e iniciativas do corpo profissional da instituição, e isso se reflete nas relações museu-público.
Por fim, uma anedota recorrente entre os museólogos: em caso de incêndio no museu, o bom museólogo se preocupa em salvar o acervo ou os visitantes e colaboradores? Quem responder “acervo” não é um dos melhores...

domingo, 17 de maio de 2015

Os Museus Brasileiros no Século XIX

O Brasil presenciou no Século XIX o surgimento de quatro importantes instituições, que são o Museu Nacional, no Rio de Janeiro; o Museu Paulista, em São Paulo; o Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém do Pará; e, por fim, o Pedagogium, também no Rio de Janeiro, sobre os quais farei uma breve apreciação.

O Museu Nacional surge no Rio de Janeiro em 1818, em substituição ao espaço chamado de "Casa dos Pássaros", uma espécie de entreposto que recebia e preparava produtos naturais e adornos indígenas para enviar à Lisboa. Com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro, esse serviço não se fez mais necessário. Num primeiro momento, era um museu comemorativo: expunha, sem qualquer classificação, arquivos de coleções e curiosidades. Dois aspectos faziam falta no museu: as conquistas, que propiciavam aquisição de itens, o que impulsionava os museus nacionais europeus, e recursos financeiros. A partir das administrações de Ladislau Netto (1874-93) e de Batista Lacerda (1895-1915), o museu se estrutura nos moldes dos grandes centros europeus. É criada uma revista, Archivos do Museu Nacional, para comunicação e permuta com os museus estrangeiros. As Ciências Naturais, como zoologia, botânica e geologia, predominavam nas páginas da revista. E o regulamento do museu corroborava essa característica: segundo o documento, "o Museu Nacional é destinado ao estudo de história natural, particularmente do Brasil e ao ensino de sciencias physicas e naturaes".
As ciências naturais de fato predominavam nos artigos da revista, e os artigos referentes à Arqueologia eram esparsos e tratavam de vestígios pouco significativos da cultura material. Já os artigos de Antropologia tratavam sobretudo de crâniometria. Para o Museu Nacional, a Arqueologia era um ramo das ciências naturais, tanto que o primeiro curso de Antropologia brasileiro foi oferecido por essa instituição, e esta revelava nele suas concepções sobre a disciplina.

O Museu Paulista surge a princípio como um monumento à Independência e um lugar de exaltação à pujança de São Paulo, à ascenção da nova província no cenário nacional. Esse quadro do museu como monumento histórico, sem uma perspectiva científica bem definida começa a mudar quando o governo paulista contrata o zoólogo Herman Von Ihering. Ele idealizou um museu etnográfico, com o intuito de estudar a história natural da América do Sul e em especial do Brasil. Ihering era um Evolucionista , e essa perspectiva pautava o primeiro número da Revista do Museu Paulista, que era muito centrada na figura do diretor, sua carreira e trânsito internacional.
Também notava-se o predomínio das ciências naturais,com o modelo evolutivo da biologia servindo de base para todos os seres vivos da Terra e em especial para explicar a evolução da humanidade, numa interpretação com base científica e positiva. A produção do Museu Paulista denotava o nascimento de uma Antropologia colada nos parâmetros e modelos das ciências naturais.

O Museu Paraense Emilio Goeldi tem origem na Associação Filantrópica do Pará, que queria transformar a Amazônia, o "paraíso dos naturalistas", sobretudo estrangeiros, num campo fértil para os cientistas brasileiros. Entre 1866 e 1891, o museu passa por vários empecilhos burocráticos, mudanças de controle, passando da Associação para a administração estadual. Mas o museu seguia padecendo das mesmas carências: verbas, objetivos e pessoal capacitado.
Em 1893 o governador Lauro Sodré contrata o zoólogo Emilio E. Goeldi, recém demitido do posto de naturalista do Museu Nacional. Goeldi já entra na instituição organizando as diferentes seções (zoologia, botânica, etnologia, arqueologia, geologia e mineralogia), monta uma biblioteca especializada em ciências naturais e antropologia, além de jardins zoológico e botânico, nas dependências do museu.
No intuito de reproduzir as instituições européias de mesmo modelo, Goeldi traz diversos naturalistas europeus para o Museu Paraense e elabora duas revistas: Boletim do Museu Paraense e Memória do Museu Paraense. Revistas semelhantes às outras publicações citadas, calcadas nas ciências naturais. Mas tinha como base estudos locais produzidos por naturalistas europeus e norte-americanos.
Goeldi valorizava as grandes potencialidades locais, ao mesmo tempo que se queixava do estado material do museu, que julgava ser depositário de curiosidades: "É preciso que o museu cesse de ser uma repartição pública e se torne uma oficina científica". Isso tudo fez com que a importância do Museu Paraense não se desse por uma efetiva produção local, e sim pelo atrelamento à lógica dos centros do exterior e sua produção, que eram o principal conteúdo das suas publicações.

Por fim, o Pedagogium, que foi um museu pedagógico criado no Rio de Janeiro em 1890, por iniciativa de Benjamin Constant, entao Ministro da Instrução Pública, e fechou suas portas em 1919. Concebido para ser um centro irradiador de reformas e qualificação que a educação nacional tanto carecia. Com foco principal no ensino das escolas normais, o Pedagogium coordenava e controlava as atividades pedagógicas no país. Para isso, instituiu a Revista Pedagógica, que era distribuída a professores públicos primários e secundários, imprensa e estabelecimentos de instrução públicos.

A despeito das particularidades de cada instituição, o que unia os museus brasileiros do Século XIX era a sua vocação de ser o espaço para pesquisas e propagação do conhecimento, por meio de cursos, das primeiras faculdades brasileiras, surgidas dentro dessas instituições, das publicações das revistas e seus artigos e, sobretudo, pela atuação dedicada dos diretores do período. Com a chegada do Século XX e o surgimento das Universidades, esse papel pioneiro dos Museus foi gradativamente se esvaziando.